Comentário sobre o “Sermão da Epifania”, por Beatriz Pravato Roldi

No texto “Sermão de Epifania”, Padre Antônio Vieira, que sempre se colocava a serviço das causas políticas que defendia, critica a escravidão imposta pelos portugueses a índios e negros africanos, principalmente na região nordeste do Brasil, no século XVII. Esse problema é mostrado no texto quando ele apresenta a seguinte interrogação: “(…) porque nasci mais longe do sol, e que vós haveis de ser meu escravo, porque nascestes mais perto?! (…)”. Aqui, Vieira esclarece que as pessoas que faziam o trabalho braçal tinham a pele negra, por terem, segundo ele, nascidas mais próximas ao sol e, assim, fugiam do “padrão europeu”, de cor branca.

Esse sermão desenvolve-se em torno de um tema de caráter inteiramente religioso, a partir do qual Padre Antônio Vieira discute assuntos voltados para a política e a própria sociedade, questionando a atitude de todo o corpo social (nobres e governantes, principalmente) responsável pela opressão dos povos escravizados, que sofriam nas mãos dos senhores. O autor enfatiza que a sociedade era movida pelo poder que a enfraquece; que a sociedade, controlada pela soberania e pelos princípios impostos pela Igreja e pela Coroa Portuguesa, obriga inocentes a jurarem vassalagem. Ao fazer essa crítica, Vieira argumenta com um fato bíblico. Em alguns trechos do sermão, ele utiliza a história de Cristo e dos Magos, em que estes últimos não deveriam perder a sua soberania, segundo Deus, pelo fato de já nascerem e terem se tornado reis.

Ao escrever sobre tal passagem da Bíblia, esse autor barroco estabelece uma relação de comparação entre a história de Cristo e dos Magos com a situação que o afligia naquele momento, a soberania. Logo, pode ser observada uma das características do Barroco, o cultismo, que, nesse caso, aparece como uma presença marcante nas figuras de linguagem, que foram importantes para o desempenho do texto, como a comparação, principalmente. Além disso, Vieira, não só nesse sermão, como na maioria, procura uma maior elaboração de linguagem, deixando suas produções mais cultas e preciosistas Outro aspecto do barroco que é bastante constante em seus textos é o conceptismo, caracterizado pela elaboração de idéias e enigmas.

Ao final do “Sermão de Epifania”, pode-se perceber que Padre Antônio Vieira buscou discutir, com a sociedade, a escravidão, de forma a fazer com que as pessoas percebessem, ao ouvi-lo, que o negro e o índio eram sujeitados ao trabalho só por causa de sua cor; buscou mostrar, por fim, que a sociedade não deveria apoiar ou ignorar a violência garantida por um tipo de mecanismo como a escravidão.


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